9 de novembro de 2015

VEJA COMO FICARIA AS GUARDAS MUNICIPAIS CASO O CICLO COMPLETO DAS POLÍCIAS VENHA A SER APROVADO



PROPOSTA NO CONGRESSO MUDA RADICALMENTE A POLÍCIA BRASILEIRA

PROJETO PREVÊ A DESVINCULAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS POR MEIO DA DESMILITARIZAÇÃO, CARREIRA ÚNICA, CICLO COMPLETO E OUVIDORIAS INDEPENDENTES.

Em tempo em que a violência atinge patamares alarmantes, não há dúvida de que as mazelas da segurança pública estão entre os problemas que mais afligem os brasileiros. Prova disto é que desde 2012 são registradas taxas superiores a 50 mil assassinatos anualmente no Brasil. Fatalmente, a criminalidade terá largo espaço no debate eleitoral deste ano e, em meio às discussões acerca do tema, surge à velha ideia de readequação ou transformação do aparato policial. Uma destas medidas é a Proposta de Emenda Consti­tu­cional 51 (PEC 51), que visa al­terar radicalmente a configuração atual das polícias, como por exem­plo, a desmilitarização da Po­lícia Militar (PM) e sua fusão com a Polícia Civil, além de autonomia para os municípios criarem suas próprias corporações policiais.

O projeto é de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), e contou com o auxílio de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, antropólogo e autor de vários estudos e livros na área de segurança pública, dentre eles o sucesso editorial “Elite da Tropa”, obra que deu origem aos filmes Tropa de Elite 1 e 2, campeões de bilheteria do cinema nacional.

O fim das fardas, dos quartéis e da rígida hierarquia similar ao do Exército é o item da proposta que mais gera polêmica. A desmilitarização da PM é um clamor existente nas fileiras das PMs, principalmente em meio aos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes), que compõem o grosso da tropa — os oficiais pensam o contrário. A PEC 51 prediz que o Estado deve organizar as polícias como órgãos de natureza civil, cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, atuando ostensiva e preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal.

Noutras palavras, fim da PM e a fusão de seus quadros com a Polícia Civil, gerando u­ma nova corporação. A nova po­lícia trabalharia em ciclo completo, ou seja, passaria a fazer todo o circuito policial: policiamento ostensivo, preventivo e investigativo.

Atualmente no Brasil, a Cons­tituição Federal dispõe sobre duas corporações policiais estaduais de ciclo incompleto, prevendo o exercício da polícia judiciária pelas polícias civis e a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública para as PMs. O ciclo completo de polícia é o fluxo da operação policial que se inicia com o atendimento de uma ocorrência criminal, passando pela produção de todos os documentos, provas e diligências necessárias. O trabalho é concluído pela polícia e posteriormente entregue à Pro­motoria Pública, que oferece a denúncia à Justiça, ou seja, com o promotor processando e o magistrado — juiz de Direito — julgando o criminoso.

Nas condições atuais, tanto a PM como a Polícia Civil atuam de forma isolada, tendo como único contato o momento da apresentação dos presos em flagrante pelos policiais militares nas delegacias da Polícia Civil, para as providências de polícia judiciária cabíveis.

Carreira única

Há também um ajuste que prevê a instalação de uma carreira única. Para o agente de segurança pública chegar ao to­po da hierarquia deve, primeiramente, começar sua carreira pela base. Hoje, na PM, há duas car­reiras distintas, divididas entre oficialato e praça. Os oficiais são incorporados pelas aca­demias de polícia militar, cujo curso varia de dois a quatro anos, dependendo do Estado.

O indivíduo começa como cadete durante fase acadêmica e se lança no seio da tropa como aspirante a oficial. Ao término do curso de formação, e após um ano no posto de aspirante, o militar vai galgando no decorrer dos anos os postos de segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel, o topo da hierarquia militar nas PMs e Corpo de Bombeiros Militar.

Os praças, todavia, são divididos entre soldados de 2ª e de 1ª classe, cabo, 3º sargento, 2º sargento, 1º sargento e subtenente. A­contece que há casos — não muito raros — de militares que passaram mais de 20 anos sem subir de graduação, ou seja, estagnam por duas décadas como soldados sem perspectivas de promoção.

Tal fato explicita a falta de plano de carreira nas PMs. Em boa parte dos Estados, há a possibilidade do militar entrar como soldado e se “aposentar” como major, pelo sistema chamado de posto acima — lei estadual que garante promoção automática quando o militar vai para reserva. Todavia, isto tem sido uma exceção, não uma regra.

Na Polícia Civil há uma hierarquia menos sistematizada se comparado ao militarismo. Os quadros são separados entre os delegados de polícia, escrivães e agentes. O cargo de delegado é privativo a bacharéis em Direito.

Para escrivães e agentes, se exige o nível superior em qualquer graduação. Portanto, a Polícia Civil se organiza em: delegados de polícia da classe especial, 1ª Classe, 2ª Classe e 3ª Classe. Escrivães de classe especial, 1ª classe, 2ª classe e 3ª classe. Do mesmo modo se hierarquizam os agentes (classe especial, 1ª, 2ª e 3ª classe).

Polícias dos municípios

Um dos itens da PEC 51 discorre sobre a autonomia dos entes federativos. Os Estados e o Distrito Federal teriam poder para estruturar seus órgãos de segurança pública, inclusive quanto à definição da responsabilidade dos municípios. A PEC 51 transformaria as guardas municipais em polícias municipais, modelo parecido ao existente nos Estados Unidos, onde as prefeituras têm seus próprios departamentos de polícia. De acordo com o projeto, esta mudança se daria mediante ampla reestruturação e adequação do processo de qualificação dos guardas municipais, conforme parâmetros estabelecidos em lei.

Mais: as municipalidades com mais de 1 milhão de habitantes decidiriam se o Estado ou a prefeitura local seriam as responsáveis por prover de segurança pública. Conforme o caso, as polícias estaduais, os corpos de bombeiros, as polícias metropolitanas e as polícias regionais subordinam-se aos governadores dos Estados e do Distrito Federal. As polícias municipais e as polícias submunicipais subordinam-se ao prefeito do município, ou seja, existiriam mais do que uma única polícia municipal, dependendo da característica e necessidade de cada cidade. O Corpo de Bom­beiros — também desmilitarizados — se incumbiria da execução de atividades de defesa civil.

O controle da atividade policial seria a cargo de uma ouvidoria externa, constituída no âmbito de cada órgão policial, dotada de autonomia orçamentária e funcional, incumbida do controle da atuação do órgão policial e do cumprimento dos deveres funcionais de seus profissionais.

De acordo com Luiz Eduardo Soares, que fez parte da construção da PEC 51, se a proposta for aprovada, estará decretado o fim do sistema institucional considerado um legado da ditadura, que tem impedido a democratização do País, sobretudo para os grupos sociais mais vulneráveis. Repor­tagem do site da Federação Nacional dos Policiais Federais registra fala dele: “Estará aberta a porta para a transformação profunda das culturas corporativas que impedem a identificação dos agentes da segurança pública com os valores da cidadania”.

O deputado estadual Mauro Rubem (PT) afirma que a proposta do senador Lindbergh Farias é apenas um passo para se resolver o problema, mas não é uma saída definitiva. Para o parlamentar, a PEC 51 é a oportunidade de se fazer profunda reforma no sistema policial, como a implantação do ciclo completo que acabaria com a divisão de tarefas que, segundo ele, resulta em ineficiência. “Ao desmilitarizar se retira este ranço da ditadura. Nisto sou favorável.”

“PEC 51 é contrassenso, não um avanço”
Apesar do aspecto revolucionário e moderno da PEC 51 há correntes, inclusive de dentro do Congresso, que se opõem à proposta do senador Lindbergh Farias. O deputado federal goiano João Campos (PSDB) afirma que a unificação das polícias, dentre outras medidas, é uma boa tese, mas por si só não se resolve o problema. Ele argumenta que existem cinco PECs que versam sobre a unificação e desmilitarização das corporações, mas que nenhuma teve avanço desde os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). O parlamentar ressalta que a única política que alcançou algum resultado foi à integração entre as polícias, mesmo assim, longe do ideal.

João, que é delegado de polícia, diz que criar polícias municipais, dependendo da característica da municipalidade com mais de uma corporação dividida em regiões, é algo inconcebível e contraditório. O parlamentar ressalta que o problema é estrutural e que faltam recursos para que as polícias possam vencer a escassez de efetivo e que adotem novas tecnologias para o aperfeiçoamento do trabalho policial.

João vê na ausência de regulamentação que imponha limites de atuação de cada polícia, bem como a cooperação mútua, como entraves ao bom desempenho das polícias desejado pela sociedade. “A PEC 51 não é a solução. A saída é aperfeiçoarmos o modelo já existente, inserindo-o ao processo de integração. Com estas reformas haveria meios de operacionalidade do atual modelo das polícias brasileiras.”

“Militarização não é problema”

A reportagem entrou em contato com Associação dos Oficiais da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (Assof-GO), mas não obteve retorno para que a classe pudesse se manifestar a respeito da PEC 51. A Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (Asof-DF) publica nota totalmente contrária à PEC 51. De acordo com o artigo, a proposta dá como ponto de partida a desmilitarização, como se a PM, por ser militar, é, por si só, um demérito, o que obviamente para Asof não é verdade.

Os oficiais citam como exemplo as dezenas de polícias militares ao redor do mundo, especialmente na Europa e América Latina, que funcionam normalmente. O problema da criminalidade no Brasil, apontado pela classe, não é devido ao fato da principal força policial ser militar e sim pelas leis e procedimentos criminais que são lentos, burocráticos e caros. “A preocupação do legislador deveria ser a diminuição da impunidade e da burocracia processual, além de melhorar a eficiência das ações investigativas policiais”, diz o texto da Asof.

A associação dos oficiais de Bra­sília ainda contesta a ideia de criação de polícias municipais, já que isso poderia gerar custos exorbitantes ao erário. A Asof também entende que a PEC 51 tem como principal objetivo a desmontagem do aparato policial com objetivos políticos. “Outro mito desta PEC é que ela unifica e simplifica o sistema policial brasileiro. Além de não ser verdade, ela quer fazer exatamente o oposto, ou seja, passar a estrutura policial de 57 polícias para milhares, o que, fatalmente, devido à limitação de verba para sustentar essa estrutura, refletirá nos salários e garantias de carreira para os policiais.”

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), compilados pelo Mapa da Violência 2013: Homi­cídios e Juventude no Brasil, mostram que o País é o sétimo colocado no mundo em casos de homicídios. A cada 100 mil habitantes, 27,4 são vítimas de crimes. No caso de jovens entre 14 e 25 anos, o número aumenta para 54,8.

Segundo o estudo, esses índices são explicados pela incidência de problemas estruturais de origem política, econômica e social, como desigualdade e falta de acesso a serviços básicos combinados ou não a conflitos armados, como os que acontecem na Guatemala, em El Salvador e na Venezuela. No caso dos homicídios de jovens, o Brasil tem taxa mais de 500 vezes maior do que Hong Kong, 273 vezes maior do que a da Inglaterra e do Japão e 137 vezes maior do que a da Alemanha e da Áustria.
Fonte: Jornal Opção - Tocantins

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