PROPOSTA
NO CONGRESSO MUDA RADICALMENTE A POLÍCIA BRASILEIRA
PROJETO
PREVÊ A DESVINCULAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS POR MEIO DA
DESMILITARIZAÇÃO, CARREIRA ÚNICA, CICLO COMPLETO E OUVIDORIAS INDEPENDENTES.
Em tempo em que a violência atinge patamares alarmantes,
não há dúvida de que as mazelas da segurança pública estão entre os problemas
que mais afligem os brasileiros. Prova disto é que desde 2012 são registradas
taxas superiores a 50 mil assassinatos anualmente no Brasil. Fatalmente, a
criminalidade terá largo espaço no debate eleitoral deste ano e, em meio às
discussões acerca do tema, surge à velha ideia de readequação ou transformação
do aparato policial. Uma destas medidas é a Proposta de Emenda Constitucional
51 (PEC 51), que visa alterar radicalmente a configuração atual das polícias,
como por exemplo, a desmilitarização da Polícia Militar (PM) e sua fusão com
a Polícia Civil, além de autonomia para os municípios criarem suas próprias
corporações policiais.
O projeto é de autoria do senador Lindbergh Farias
(PT-RJ), e contou com
o auxílio de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública,
antropólogo e autor de vários estudos e livros na área de segurança pública,
dentre eles o sucesso editorial “Elite da Tropa”, obra que deu origem aos
filmes Tropa de Elite 1 e 2, campeões de bilheteria do cinema nacional.
O fim das fardas, dos quartéis e da rígida hierarquia
similar ao do Exército é o item da proposta que mais gera polêmica. A
desmilitarização da PM é um clamor existente nas fileiras das PMs,
principalmente em meio aos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes),
que compõem o grosso da tropa — os oficiais pensam o contrário. A PEC 51 prediz
que o Estado deve organizar as polícias como órgãos de natureza civil, cuja
função é garantir os direitos dos cidadãos, atuando ostensiva e
preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal.
Noutras palavras, fim da PM e a fusão de seus quadros com
a Polícia Civil, gerando uma nova corporação. A nova polícia trabalharia em
ciclo completo, ou seja, passaria a fazer todo o circuito policial:
policiamento ostensivo, preventivo e investigativo.
Atualmente no Brasil, a Constituição Federal dispõe
sobre duas corporações policiais estaduais de ciclo incompleto, prevendo o
exercício da polícia judiciária pelas polícias civis e a função de polícia
ostensiva e preservação da ordem pública para as PMs. O ciclo completo de
polícia é o fluxo da operação policial que se inicia com o atendimento de uma
ocorrência criminal, passando pela produção de todos os documentos, provas e
diligências necessárias. O trabalho é concluído pela polícia e posteriormente
entregue à Promotoria Pública, que oferece a denúncia à Justiça, ou seja, com
o promotor processando e o magistrado — juiz de Direito — julgando o criminoso.
Nas condições atuais, tanto a PM como a Polícia Civil
atuam de forma isolada, tendo como único contato o momento da apresentação dos
presos em flagrante pelos policiais militares nas delegacias da Polícia Civil,
para as providências de polícia judiciária cabíveis.
Carreira única
Há também um ajuste que prevê a instalação de uma
carreira única. Para o agente de segurança pública chegar ao topo da
hierarquia deve, primeiramente, começar sua carreira pela base. Hoje, na PM, há
duas carreiras distintas, divididas entre oficialato e praça. Os oficiais são
incorporados pelas academias de polícia militar, cujo curso varia de dois a
quatro anos, dependendo do Estado.
O indivíduo começa como cadete durante fase acadêmica e
se lança no seio da tropa como aspirante a oficial. Ao término do curso de
formação, e após um ano no posto de aspirante, o militar vai galgando no
decorrer dos anos os postos de segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão,
major, tenente-coronel e coronel, o topo da hierarquia militar nas PMs e Corpo
de Bombeiros Militar.
Os praças, todavia, são divididos entre soldados de 2ª e
de 1ª classe, cabo, 3º sargento, 2º sargento, 1º sargento e subtenente. Acontece
que há casos — não muito raros — de militares que passaram mais de 20 anos sem
subir de graduação, ou seja, estagnam por duas décadas como soldados sem
perspectivas de promoção.
Tal fato explicita a falta de plano de carreira nas PMs.
Em boa parte dos Estados, há a possibilidade do militar entrar como soldado e
se “aposentar” como major, pelo sistema chamado de posto acima — lei estadual
que garante promoção automática quando o militar vai para reserva. Todavia,
isto tem sido uma exceção, não uma regra.
Na Polícia Civil há uma hierarquia menos sistematizada se
comparado ao militarismo. Os quadros são separados entre os delegados de
polícia, escrivães e agentes. O cargo de delegado é privativo a bacharéis em
Direito.
Para escrivães e agentes, se exige o nível superior em
qualquer graduação. Portanto, a Polícia Civil se organiza em: delegados de
polícia da classe especial, 1ª Classe, 2ª Classe e 3ª Classe. Escrivães de
classe especial, 1ª classe, 2ª classe e 3ª classe. Do mesmo modo se
hierarquizam os agentes (classe especial, 1ª, 2ª e 3ª classe).
Polícias dos municípios
Um dos itens da PEC 51 discorre sobre a autonomia dos
entes federativos. Os Estados e o Distrito Federal teriam poder para estruturar
seus órgãos de segurança pública, inclusive quanto à definição da
responsabilidade dos municípios. A PEC 51 transformaria as guardas municipais
em polícias municipais, modelo parecido ao existente nos Estados Unidos, onde
as prefeituras têm seus próprios departamentos de polícia. De acordo com o
projeto, esta mudança se daria mediante ampla reestruturação e adequação do
processo de qualificação dos guardas municipais, conforme parâmetros
estabelecidos em lei.
Mais: as municipalidades com mais de 1 milhão de
habitantes decidiriam se o Estado ou a prefeitura local seriam as responsáveis
por prover de segurança pública. Conforme o caso, as polícias estaduais, os
corpos de bombeiros, as polícias metropolitanas e as polícias regionais
subordinam-se aos governadores dos Estados e do Distrito Federal. As polícias
municipais e as polícias submunicipais subordinam-se ao prefeito do município,
ou seja, existiriam mais do que uma única polícia municipal, dependendo da
característica e necessidade de cada cidade. O Corpo de Bombeiros — também
desmilitarizados — se incumbiria da execução de atividades de defesa civil.
O controle da atividade policial seria a cargo de uma
ouvidoria externa, constituída no âmbito de cada órgão policial, dotada de
autonomia orçamentária e funcional, incumbida do controle da atuação do órgão
policial e do cumprimento dos deveres funcionais de seus profissionais.
De acordo com Luiz Eduardo Soares, que fez parte da
construção da PEC 51, se a proposta for aprovada, estará decretado o fim do
sistema institucional considerado um legado da ditadura, que tem impedido a
democratização do País, sobretudo para os grupos sociais mais vulneráveis.
Reportagem do site da Federação Nacional dos Policiais Federais registra fala
dele: “Estará aberta a porta para a transformação profunda das culturas
corporativas que impedem a identificação dos agentes da segurança pública com
os valores da cidadania”.
O deputado estadual Mauro Rubem (PT) afirma que a
proposta do senador Lindbergh Farias é apenas um passo para se resolver o
problema, mas não é uma saída definitiva. Para o parlamentar, a PEC 51 é a
oportunidade de se fazer profunda reforma no sistema policial, como a implantação
do ciclo completo que acabaria com a divisão de tarefas que, segundo ele,
resulta em ineficiência. “Ao desmilitarizar se retira este ranço da ditadura.
Nisto sou favorável.”
“PEC 51 é contrassenso, não um avanço”
Apesar do aspecto revolucionário e moderno da PEC 51 há
correntes, inclusive de dentro do Congresso, que se opõem à proposta do senador
Lindbergh Farias. O deputado federal goiano João Campos (PSDB) afirma que a
unificação das polícias, dentre outras medidas, é uma boa tese, mas por si só
não se resolve o problema. Ele argumenta que existem cinco PECs que versam
sobre a unificação e desmilitarização das corporações, mas que nenhuma teve
avanço desde os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). O
parlamentar ressalta que a única política que alcançou algum resultado foi à
integração entre as polícias, mesmo assim, longe do ideal.
João, que é delegado de polícia, diz que criar polícias
municipais, dependendo da característica da municipalidade com mais de uma
corporação dividida em regiões, é algo inconcebível e contraditório. O
parlamentar ressalta que o problema é estrutural e que faltam recursos para que
as polícias possam vencer a escassez de efetivo e que adotem novas tecnologias
para o aperfeiçoamento do trabalho policial.
João vê na ausência de regulamentação que imponha limites
de atuação de cada polícia, bem como a cooperação mútua, como entraves ao bom
desempenho das polícias desejado pela sociedade. “A PEC 51 não é a solução. A
saída é aperfeiçoarmos o modelo já existente, inserindo-o ao processo de
integração. Com estas reformas haveria meios de operacionalidade do atual
modelo das polícias brasileiras.”
“Militarização não é problema”
A reportagem entrou em contato com Associação dos
Oficiais da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (Assof-GO), mas não
obteve retorno para que a classe pudesse se manifestar a respeito da PEC 51. A
Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (Asof-DF)
publica nota totalmente contrária à PEC 51. De acordo com o artigo, a proposta
dá como ponto de partida a desmilitarização, como se a PM, por ser militar, é,
por si só, um demérito, o que obviamente para Asof não é verdade.
Os oficiais citam como exemplo as dezenas de polícias
militares ao redor do mundo, especialmente na Europa e América Latina, que
funcionam normalmente. O problema da criminalidade no Brasil, apontado pela
classe, não é devido ao fato da principal força policial ser militar e sim
pelas leis e procedimentos criminais que são lentos, burocráticos e caros. “A
preocupação do legislador deveria ser a diminuição da impunidade e da
burocracia processual, além de melhorar a eficiência das ações investigativas
policiais”, diz o texto da Asof.
A
associação dos oficiais de Brasília ainda contesta a ideia de criação de
polícias municipais, já que isso poderia gerar custos exorbitantes ao erário. A
Asof também entende que a PEC 51 tem como principal objetivo a desmontagem do
aparato policial com objetivos políticos. “Outro mito desta PEC é que ela
unifica e simplifica o sistema policial brasileiro. Além de não ser verdade,
ela quer fazer exatamente o oposto, ou seja, passar a estrutura policial de 57
polícias para milhares, o que, fatalmente, devido à limitação de verba para
sustentar essa estrutura, refletirá nos salários e garantias de carreira para
os policiais.”
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), compilados
pelo Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil, mostram que o
País é o sétimo colocado no mundo em casos de homicídios. A cada 100 mil
habitantes, 27,4 são vítimas de crimes. No caso de jovens entre 14 e 25 anos, o
número aumenta para 54,8.
Segundo o estudo, esses índices são explicados pela
incidência de problemas estruturais de origem política, econômica e social,
como desigualdade e falta de acesso a serviços básicos combinados ou não a
conflitos armados, como os que acontecem na Guatemala, em El Salvador e na
Venezuela. No caso dos homicídios de jovens, o Brasil tem taxa mais de 500
vezes maior do que Hong Kong, 273 vezes maior do que a da Inglaterra e do Japão
e 137 vezes maior do que a da Alemanha e da Áustria.
Fonte: Jornal Opção - Tocantins
Nenhum comentário:
Postar um comentário