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Ministro Marco Aurélio. |
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal, disse à coluna que ficou "estarrecido" com a
carteirada que o desembargador paulista Eduardo Siqueira tentou aplicar no
guarda municipal da cidade de Santos Cícero Hilário Neto. "A autoridade na
rua é o guarda, não o desembargador", disse o ministro. Para ele, o caso
exige a punição do magistrado.
"Somos autoridades no tribunal, com a
capa nas costas. Na rua, somos cidadãos", declarou Marco Aurélio, antes de
relatar um episódio que ele próprio viveu, há cerca de um ano. Retornava de um
show musical. Estava com sua mulher, a desembargadora Sandra De Santis Mendes
de Farias Mello, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios.
"Fomos parados por uma patrulha de
trânsito, na entrada da minha quadra. O guarda me reconheceu. Disse: 'Ministro,
o senhor me perdoe, mas poderia me passar os seus documentos?' Atendi
imediatamente. Ele perguntou: 'O senhor se importa de soprar o bafômetro,
ministro?' Eu disse a ele: Cumpra o seu dever. Não me ocorreu dar nenhuma
carteirada. Ali, eu era um cidadão. A autoridade era o guarda de
trânsito."
Na cena em que humilhou o guarda Cícero
Hilário, chamando-o de "analfabeto", o desembargador Eduardo Siqueira
declarou que "decreto não é lei." Por isso, decidiu descumprir o
decreto municipal que tornou obrigatório o uso de máscara em Santos. Marco
Aurélio discordou: "O decreto municipal precisa ser observado."
O ministro leu o artigo 23 da Constituição,
que estabelece o que "é competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios." Há uma lista com 12 itens. No segundo,
lê-se o seguinte: "Cuidar da saúde e assistência pública..."
Em abril, o plenário do Supremo decidiu que,
além do governo federal, estados e municípios têm poder para determinar regras
sanitárias de combate ao coronavírus —do isolamento social ao uso de máscara,
passando por interrupção de atividades comerciais não essenciais e suspensão do
funcionamento de escolas.
"O que consta da Constituição Federal é
que cabe aos três níveis da federação —municipal, estadual e federal— a tomada
de providências", disse Marco Aurélio. "E essas providências podem
ser formalizadas mediante decreto."
Marco Aurélio disse que espera por uma
punição do desembargador. Avalia que o comportamento inadequado do magistrado
não prejudicou apenas os guardas municipais de Santos. "Atinge a todos nós
do Judiciário", afirmou o ministro. Para ele cabe ao Órgão Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo punir Eduardo Siqueira.
Previsto no regimento interno do tribunal, o
Órgão Especial é composto pelo presidente da Corte, Geraldo Francisco Pinheiro
Franco, e mais 24 desembargadores —12 escolhidos entre os mais antigos, e 12
eleitos. Marco Aurélio estranhou que o corregedor nacional de Justiça, ministro
Humberto Martins, tenha determinado que o TJ de São Paulo envie para o CNJ o
procedimento aberto contra o desembargador da carteirada.
"Essa avocação me causou espécie",
disse Marco Aurélio. "O corregedor pode avocar se houver omissão do
Tribunal de Justiça. A menos que se considere que o Órgão Especial não teria
isenção para julgar um membro do próprio tribunal."
O ministro disse ter conversado com "um
colega desembargador" que conhece Eduardo Siqueira. "Ele é tido como um
sujeito complicado. O Órgão Especial já esteve para afastá-lo. Mas acabou não
tomando a iniciativa. Talvez tenha claudicado. O passado desse rapaz não o
recomenda. Se é que podemos considerá-lo rapaz... Pela falta de juízo,
talvez."
Fonte:
Josias de Souza – Colunista do
UOL
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