1 de maio de 2024

Policiais Militares articulam braço político para influenciar nas eleições municipais em São Paulo

Policiais militares se organizam para realizar em junho seu 1º Congresso Político que pretender influenciar as eleições municipais deste ano em São Paulo. O evento terá 300 vagas para PMs considerados lideranças em seus municípios e interessados em se tornar pré-candidatos a vereadores e prefeitos. Segundo a organização, o encontro conta com a anuência do comando. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, serão convidados.

O congresso em 22 de junho na capital paulista é mais uma investida no fortalecimento da PM como instituição política. O evento é organizado pela Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em parceria com outras entidades ligadas à corporação. Dez deputados estaduais e cinco deputados federais serão convidados para participar do encontro e passar dicas aos novatos.

“Mais o governador, o secretário da Segurança Pública e o comandante-geral da PM para dar credibilidade ao evento, né? Embora a gente tenha essa credibilidade, mas, digamos assim, para dar firmeza à organização do evento”, diz o presidente da associação, tenente Írio Trindade de Jesus.

O presidente da associação diz que não há interesse em formar um novo partido político, porque isso já foi um equívoco no passado. A ideia é ter capilaridade por diversas legendas, embora nem todas sejam bem vistas pelos integrantes da corporação.

“Temos que ter PMs do nosso grupo representando todos os partidos, porque aí nos faremos representados. Lógico, temos uma certa resistência com partidos de extrema-esquerda. Eles não vêm aqui e nós também não vamos lá”, afirma.

Segundo Írio, a capilaridade territorial já é um dos trunfos políticos da corporação, pela presença da PM nos 645 municípios paulistas. Na apresentação do congresso, também consta que sargentos são a patente mais alta da corporação em 349 municípios e, por isso, têm acesso direto às autoridades municipais.

Por esse motivo, eles são vistos como cruciais no projeto dos militares. “Esses sargentos, necessariamente, não são candidatos. A gente quer transformá-los em pilares políticos, dando assessoria, orientando sobre como proceder em eventos e, principalmente, qual o papel deles como PMs em suas cidades”, afirma o presidente da associação.

O congresso servirá também como uma espécie de consultoria. Interessados que têm pouco potencial de voto serão desestimulados a participar das eleições, justamente para fortalecer as campanhas daqueles com maior probabilidade de chegar às câmaras municipais. “O grupo vai selecionar, tecnicamente, aqueles que mais tenham condições de serem eleitos. Temos ferramentas técnicas para fazer isso”, diz.

O tenente também lista aquelas que, na sua visão, são as qualidades necessárias para que o PM se torne um político de sucesso. “Todo PM é um líder por natureza. É um líder social, dentro do comando dele, do quartel. Todos têm esse perfil. Mas, nem sempre, consegue transformar isso em votos. Não basta querer. Tem que ter carisma, saber falar bem em público, ter desenvoltura, inteligência para a política, porque lá não prospera quem não sabe articular, não sabe fazer concessões”, diz.

Segundo Írio, em breve, deverá acontecer um novo congresso, dessa vez só com mulheres. “Para viabilizar candidaturas femininas. Tudo é possível, inclusive com a presença da ex-primeira-dama [Michele Bolsonaro], porque isso não foi feito aqui em São Paulo”, diz.

Apesar da citação a Michele, Írio diz que os eventos serão apartidários.

O congresso tem cotas de patrocínio que vão de R$ 5 mil a R$ 15 mil, dando direito desde marca no material impresso a vídeo e banner no dia do evento.

Ressalvas

A participação ostensiva de policiais militares na política é vista com ressalvas por parte da sociedade e apontada até como ameaça ao processo democrático. Por lei, PMs podem participar das eleições por aclamação dentro das legendas, sem a necessidade de filiação — que é vetada para militares da ativa.

O próprio secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, é um ex-capitão da PM que se enveredou pela política — está licenciado do cargo de deputado federal pelo PL. Também é acusado de prestigiar sua corporação de origem em detrimento da Polícia Civil, como na recente crise na qual esteve no centro das atenções.

Para Írio, o fortalecimento do braço político da corporação é parte de um plano elaborado na última década, onde o grupo do qual faz parte apontava a necessidade de “sair do campo das ideias para o das ações”. A eleição do falecido Major Olímpio ao senado, em 2018, foi o gatilho para que percebessem que havia chances reais de conquistar postos mais graduados na política nacional. As eleições municipais são parte do projeto que pretende colocar, já em 2026, mais militares na Assembleia Legislativa e no Congresso, numa espiral de fardados.

Apesar disso, não há um número de vereadores e prefeitos eleitos como meta a ser atingida. Hoje, 108 vereadores, 10 vice-prefeitos e 7 prefeitos são oriundos da PM no estado de São Paulo.

“Durante todo tempo, a gente vem com uma canequinha na mão pedindo, às vezes até implorando, para sermos escutados. E a PM, na sociedade paulista, é elite, porque ela é organizada, hierarquizada e treinada. Todo mundo tem medo disso. Quem é que não tem medo de um grupo hierarquizado, disciplinado e armado? E essa arma não se refere à arma de fogo, mas sim à facilidade de capilarização”, diz, citando novamente o fato de estar presente em todos os 645 municípios paulistas.

O presidente da associação que capitaneia a organização do congresso diz que já se tentou criar travas para impedir a participação política dos PMs na sociedade, porque a voz dos integrantes da corporação “iria mais longe”, se organizados. “O objetivo é caminhar junto com a sociedade. Nós queremos o que a sociedade quer.”

Anuência do comando

O presidente da associação diz que todo e qualquer projeto que envolva PMs, sejam ativos ou inativos, tem que ter a anuência do comando. “O comandante Cássio [Araújo Freitas] é um amigo de longa data. Não só ele, como o alto comando, pessoas que a gente conhece há muito tempo. Eles sabem, sim”, diz.

“Antes de ter a ideia de formar esse grupo político, plano político, nós ouvimos eles. E, claro, embora a gente não dependa do comandante para fazer isso, é de bom alvitre e respeitoso que a gente o ouça e colha a opinião dele, e que ela seja respeitada, lógico. A gente aprende isso na instituição”, afirma.

Írio conta que foi instrutor da escolas de sargentos da PM por 13 anos, por onde também passou o comandante Cássio. “A gente se conhece muito bem e não vai criar algo para afrontar quem quer que seja”, diz.

Questionada sobre o congresso político e as afirmações de Írio, a Polícia Militar não se manifestou até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto. Fonte: Metrópoles

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