APÓS A EDIÇÃO DE 7 DECRETOS PELO GOVERNO, SENADORES CONSIDERAM QUE BOLSONARO INVADIU A COMPETÊNCIA DO CONGRESSO, QUEM CABE LEGISLAR SOBRE O TEMA
Uma das principais bandeiras de campanha do
presidente Jair Bolsonaro,
a flexibilização da posse e do porte de armas
foi um dos temas centrais no Senado
no primeiro semestre e deve seguir em discussão nos próximos meses.
É que após rejeitar o decreto das armas do
governo, editado logo no primeiro mês do ano, o Senado trabalha em um projeto
de revisão do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) que aumenta a
potência de arma autorizada para civis e exige a realização de exame
toxicológico para aquisição de arma de fogo.
Batizado de PL das Armas, o Projeto de Lei
3.713/2019 está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ). Em seis meses, o governo editou sete decretos sobre porte e posse de
armas e prometeu encaminhar um projeto de lei. O Senado chegou a aprovar a
anulação de dois deles em junho e encaminhou a decisão à Câmara, mas o governo
decidiu revogar as medidas e reeditou parte do conteúdo.
Esse “vai e vem de decretos” é criticado por
senadores que consideram que Bolsonaro invadiu a competência do Congresso, a
quem cabe legislar sobre o tema.
“Infelizmente o presidente insiste em
legislar em matéria de Direito Penal através de decreto. Ele está violando a
Constituição Federal. Vamos entrar com um projeto de decreto legislativo para
sustar os efeitos porque esses decretos ultrapassam os limites de sua
competência”, criticou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
A opinião é compartilhada pela senadora
Eliziane Gama (Cidadania-MA) para quem o presidente extrapolou ao tentar
alterar o Estatuto do Desarmamento por decreto.
A senadora informou que apresentou uma
proposta de emenda à Constituição (PEC) para limitar a edição de decretos sobre
o mesmo tema em um mesmo ano, dispositivo que já vale por exemplo para medidas
provisórias.
“Se o presidente fizer um decreto
presidencial e houver um projeto de decreto legislativo que sustou o decreto,
ele não poderá editar outro com o mesmo objetivo. O presidente não tem tido
muito critério nessas situações”, avaliou a senadora.
Favorável aos decretos presidenciais, o
senador Marcos do Val (Cidadania-ES) considera que a derrubada das propostas
pelo Senado evidencia certa resistência de alguns parlamentares em relação ao
tema.
O senador capixaba foi o relator dos projetos
de decreto legislativo que pediram a anulação das iniciativas de Bolsonaro e
defendeu a manutenção das propostas do governo, mas foi voto vencido.
“As armas são o único meio para defesa de
inocentes expostos à violência de bandidos. Todo cidadão tem direito à
autodefesa. Sem esse direito, as pessoas ficam vulneráveis. E sem segurança não
existe a liberdade. Se o cidadão estiver amparado pela lei para defender sua
família, o criminoso vai pensar duas vezes antes de invadir uma residência ou
um comércio” afirmou.
PL das Armas
O texto que aguarda leitura e votação na CCJ
é um substitutivo do relator, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a uma
proposta apresentada por senadores do PSL e pelo líder do governo, senador
Fernando Bezerra (MDB-PE) que praticamente repete o teor dos decretos editados
por Jair Bolsonaro.
A versão apresentada por Vieira engloba 18
das 31 propostas que estão no Senado sobre o tema e ainda incorpora medidas
previstas em projetos em análise na Câmara (151 projetos foram apresentados na
Câmara apenas em 2019) e sugestões recebidas por um site eletrônico (https://pldasarmas.com.br/),
criado para receber críticas e sugestões. Apenas nas primeiras 24 horas no ar,
foram recebidas mais de mil contribuições.
Na justificativa da proposta, Bezerra, Major
Olímpio (PSL-SP), Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Soraya Thronicke (PSL-MS) argumentam
que a maioria da população escolheu, ao votar em Bolsonaro nas últimas
eleições, o direito à posse e ao porte de armas de fogo e à garantia da
legítima defesa do cidadão.
Segundo eles, o Estado se mostrou ineficiente
em proteger a população. “É fato que o Estado não possui mínimas condições de
defender os cidadãos, prova constatada nas sessenta mil mortes violentas ao ano
no Brasil”, argumentam no projeto.
A iniciativa de facilitar o porte de armas
proposta pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) é reprovada por 70% dos
brasileiros, segundo pesquisa Datafolha divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo
no dia 11 julho.
Apesar de considerar legítimo o acesso a
armas de fogo daqueles que atendem os requisitos da lei para a defesa de sua
família e patrimônio, Alessandro Vieira aponta que colocar revólveres e
pistolas nas mãos dos cidadãos não pode ser a política de segurança do país.
“Esse exercício de um direito individual não
se confunde com medida de combate à criminalidade ou mesmo de reforço para a
atividade de Segurança Pública. O único caminho para reduzir os indicadores
alarmantes de violência no Brasil é a adoção de uma política de Segurança
Pública baseada em evidências, com garantia de financiamento adequado e com a
coordenação da União, abarcando prevenção, repressão qualificada e
ressocialização do encarcerado. Fora disso, o que temos são ações com efeito
pontual ou meramente cosmético”, defende.
Polêmica
Entre os pontos polêmicos da flexibilização
proposta pelo governo estava a previsão de que 19 categorias profissionais, a
exemplo de caminhoneiros, advogados, políticos e jornalistas, poderiam requerer
autorização para portar arma de fogo nas ruas.
Essa autorização foi revogada pelo governo.
Outra questão sensível é a possibilidade de liberar armas mais potentes para
civis, ampliando o rol de equipamentos considerados de uso permitido.
A medida foi revista em um dos últimos
decretos que determinou que o Exército elabore em 60 dias os parâmetros de
aferição e a listagem dos calibres nominais que se enquadrem nos limites
estabelecidos.
Exame toxicológico
No relatório entregue na CCJ, Alessandro
Vieira incluiu um novo requisito para aquisição de arma de fogo: a realização
de exame toxicológico. Conforme a proposta, além de outras exigências já
previstas, o interessado em comprar armas deverá “apresentar exame toxicológico
de larga janela de detecção, não inferior a 180 dias, com resultado negativo”.
Esse teste, que detecta o uso de substâncias
proibidas como cocaína, crack e anfetaminas é o mesmo hoje exigido
periodicamente de motoristas de caminhão, ônibus e vans para renovação da
Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Após cinco anos de obtenção do registro,
alguns dos possuidores de armas serão submetidos novamente ao teste por
“submissão randômica”, ou seja, aleatória. Se o resultado der positivo, a posse
ou o porte ficará suspenso por cinco anos.
Área rural
Para a área rural, entre outros requisitos,
está prevista no texto a comprovação de efetiva necessidade e a apresentação de
declaração de que conta em sua residência com um cofre para guardar armas e
munições.
Alessandro Vieira, que também foi relator de
um projeto aprovado pelo Senado que reconhece que posse de arma em área rural
deve valer para toda a propriedade (PL 3.715/2019), incluiu no PL 3.713/2019
que a efetiva necessidade será presumida em área da zona rural onde não houver
delegacia de polícia ou unidade policial em um raio de 50 km, o que vai
facilitar o porte para proprietários de fazendas.
Potência da arma
O texto propõe aumentar a potência de arma
para porte de civis de 407 joules — um revólver de calibre 38, por exemplo —
para 520 joules, o que permitiria o porte de pistolas 9 mm, arma de uso
restrito das forças de segurança. Joule é uma unidade de medida de energia.
Por outro lado, ele aumenta a pena nos casos
de porte ou posse ilegal e omissão de cautela (em caso de facilitar o acesso a
criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental). A punição proposta é
detenção de 1 a 3 anos, além de multa. Já para o porte ilegal a pena será de 3
a 5 anos, e multa.
Entre as mudanças propostas estão também a
suspensão do porte de arma daquele que estiver sendo investigado por violência
doméstica, ameaça, lesão corporal ou homicídio.
CAC
O texto também flexibiliza regras para posse
e porte de armas para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Em
audiência pública na CCJ no dia 4 de julho, representantes dos CACs pediram que
seja mantida previsão que consta nos decretos do governo que facilitam o acesso
a munição e transporte de armas de fogo para esse grupo.
Jodson Edington Junior, vice-presidente da
Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, afirmou que essas categorias ficaram
em um vácuo legislativo desde o Estatuto do Desarmamento.
Atiradores esportivos, segundo ele não têm
direito ao porte de armas, apenas ao porte “em trânsito”, ou seja, transportar
a arma municiada e pronta para uso no trajeto entre o local de acervo e o de
treinamento.
“Nós não temos até hoje nessa regulamentação.
O que nós queremos é exatamente praticar o esporte de forma legal. Porte de
arma é um direito que não foi dado para a gente. Para ter esse direito o
atirador, bastaria apenas criar um critério mais rigoroso. Agora, temos outras
classes que estão conseguindo esse mesmo porte sem fazer nenhum exame, sem
fazer nenhum teste de tiro, sem praticar” disse.
Já Daniel Terra, da Associação Nacional de
Caça e Conservação, ressaltou o papel dos caçadores no controle de javalis e
também pediu regras mais flexíveis para o grupo.
“Nós temos hoje, no Brasil, 40 mil
controladores de javali cadastrados no Ibama. Estar cadastrado no Ibama não
quer dizer que essas pessoas estão habilitadas a portar ou transportar armas de
fogo. Na Alemanha, existem 300 mil controladores armados, fazendo o controle do
javali. Não tem esse excesso de regramento, e no Brasil ele é um animal exótico
e é tratado de uma maneira que não deveria ser tratado: ele não é encarado,
hoje, como uma praga. Se a Alemanha tem 300 mil controladores de javali, nós
precisaríamos ter no Brasil, no mínimo, um milhão”, disse.
Armas desviadas
De acordo com o Exército, 163.546 caçadores,
atiradores e colecionadores são registrados no Brasil. São 389.318 armas
pertencentes a esse grupo, uma média de 2,38 armas por cidadão. Em 2018 foram
roubadas/furtadas 989 armas. O coronel Dimas Silvério da Silva destacou que o
Brasil é um dos poucos países que marca munições e ressaltou que são poucos os
casos de desvios envolvendo CACs.
“Em 2019 foram roubadas/furtadas 461 armas. A
média de armas roubadas ou furtadas ao longo dos anos dá 0,0102% do total de
armas pertencentes ao CAC, um percentual baixo, não temos tido muitos
problemas”, disse o coronel.
Mas organizações contrárias à flexibilização
argumentam que facilitar o acesso a armas e munições vai aumentar a violência.
Eles também temem o aumento “de armas e munições desviadas”. Felipe Angelli, do
Instituto Sou da Paz, afirmou que é preciso melhorar o rastreamento de armas e
munições em circulação no país, que muitas vezes caem nas mãos de criminosos.
Ele lembrou que o lote de munições de onde
saíram os projéteis usados para assassinar a vereadora Marielle Franco e o
motorista Anderson Gomes no ano passado, por exemplo, foi roubado da Polícia
Federal e vendido de forma irregular.
“De fato, ter estatísticas em relação a isso
é muito difícil, porque, para a gente conseguir identificar em cada homicídio
aquele que é cometido por alguém que tem um CR [registro] emitido pelo
Exército, a gente precisaria ter acesso ao sistema de registros de armas. A
gente tem essa dificuldade de identificar a totalidade de casos, mas eu consigo
aqui elencar uma série de casos recentes de pessoas com registro de CAC que
cometeram crimes de grande repercussão. Existe um acusado, um suspeito no Rio
de Janeiro que se chama Ronnie Lessa. Ele é acusado de ter tido participação no
assassinato da Vereadora Marielle Franco e também de integrar milícias. Ele
tinha registro de atirador desportivo”, disse Angelli.
Atendendo em parte ao pedido dessas
organizações, o senador Alessandro Vieira propõe a criação de dispositivos de
caráter antimilícia, para responsabilizar entidades e indivíduos pelo desvio de
arsenais.
O projeto também determina a integração dos
dois sistemas de registros de armas, o Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar
de Armas), do Exército, e o Sinarm (Sistema Nacional de Armas), gerenciado pela
Polícia Federal, além da redução de 10 mil para 1.000 unidades os lotes de
munições. O objetivo é facilitar a investigação de crimes com armas de fogo.
Fonte: Por
Agência Senado
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