A sensação de segurança vincula-se fortemente ao exercício da liberdade individual, seja no uso de espaços (públicos e privados), seja nas interações sociais e laborais, estando também relacionada aos tipos e canais de comunicação que costumamos utilizar para nos informar sobre o que ocorre no mundo. Ela varia segundo diversos fatores sociais e econômicos, mas, independentemente desses, é experimentada por todos de forma muito objetiva no espaço da cidade. Porém, e quando as cidades, em especial as médias e pequenas, passam a ser palco de violências frequentes? Se afastar de capitais e grandes centros urbanos não significa mais estar seguro (Mapa da violência, 2008).
No período de 20 anos, cidades com população na faixa entre 100 e 200 mil habitantes figuram sempre na lista das dez mais violentas do país. A expansão das criminalidades violentas para o interior do país acaba por pressionar o poder municipal a tomar parte no problema. Pesquisa recente mostrou que entre os temas considerados mais urgentes pela população, a segurança pública alcança a 5ª posição, segundo levantamento do CNI (Confederação Nacional da Indústria) de 2022. E não importa se as polícias estão sob o controle do nível estadual, dados divulgados pela Quaest e pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em 2024 indicam que a violência e o crime organizado são problemas de ordem nacional para 81% dos entrevistados.
Por sua vez, o incremento da capacidade estatal em matéria de segurança pública vem ocorrendo desde o início da década de 2000, em um processo não linear, mas sujeito ao maior ou menor envolvimento da União. A indução federal para a estruturação de políticas em nível municipal ocorreu com a edição de Planos Nacionais de Segurança, dentre eles o Pronasci, cuja adesão preconizou a liberação de recursos importantes. A literatura demonstra que, com a diminuição dos esforços da União, no segundo governo Dilma, alguns municípios passaram a assumir a pauta e a despender recursos próprios, reconhecendo não somente que a provisão do serviço na ponta possibilita fazer diagnósticos e entender especificidades mas o próprio caráter eleitoral do tema. Como demonstram 33% dos entrevistados na pesquisa da Quaest com a UFMG, a solução para a melhoria da segurança e diminuição da violência seria garantir mais policiamento na rua e para outros 9% seria aprovar leis mais rígidas. Somente 8% defendem a educação como uma via alternativa. Contudo, se não compreendemos as violências em sua complexidade e prevenção, e aqui o papel dos meios de comunicação é essencial, o usual é apelar para os tipos de ação já executados pelos governos estaduais, sendo a ostensividade o principal método.
Dentre os quatro instrumentos de políticas (fundos, conselhos, planos e guardas) previstos nos planos nacionais para receberem fomento do governo federal, os municípios tenderam sempre para a escolha de formar e/ou expandir e equipar guardas. A criação e disseminação dessas, conforme dados do gráfico abaixo, e a posterior luta da categoria por reconhecimento legal acabou por consagrá-las, em 2014, no texto constitucional em seu art. 144, § 8. Presença e atuação também foram garantidas pela lei que instituiu o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) em 2018, colocando as guardas municipais ao lado das polícias civis e militares, como integrante operacional do sistema (art. 9°, § 2º, VII da Lei 13.675/2018).
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública deixam claro que as guardas municipais vieram para ficar. Alcançam já mais de 1.100 cidades e um efetivo superior a 85 mil pessoas. A despeito do importante papel na manutenção dos equipamentos e espaços públicos, mediação de conflitos, entre outros, há o risco de que elas passem a ocupar a centralidade da intervenção local na política de segurança e que tendem a mimetizar o modelo e as funções das polícias estaduais, ou pior, possam se tornar uma caricatura dessas: armadas, ostensivas, repressivas. Isso é problemático não somente pela sobreposição de atribuições do Estado, mas pelo custo elevado, em que sua institucionalidade e controle acabam sendo precários; seu efetivo e equipamentos, insuficientes; e sua qualificação e formação, aquém da necessária. Ao consumir recursos e capacidade de gestão, frequentemente escassos nos municípios, compromete a atuação em atividades para as quais os municípios são vocacionados e nas quais a ação local costuma ser mais efetiva em matéria de segurança. Isso é, a natureza preventiva, territorializada que inclui possibilidades muito variadas: iluminação pública em locais de circulação e ocupados por atividades ilícitas; recuperação e readequação de espaços em áreas vulneráveis e promoção de seu uso comunitário saudável e regular (como feiras, ruas de lazer etc.); fomento à cultura e ao esporte, especialmente com ações voltadas à juventude vulnerável.
A educação pode atuar de mais de uma maneira: o tempo escolar integral protege crianças e jovens da exposição a vários riscos e de aliciamentos; a educação sexual e reprodutiva reduz os riscos de abuso, violência ou exploração sexual; a formação dos profissionais da escola aumenta sua capacidade em identificar indícios de violência doméstica e dar encaminhamento aos casos; a abertura da escola à comunidade nos finais de semana contribui para a coesão social e provê opções saudáveis de lazer à comunidade.
Protocolos de identificação, atendimento e encaminhamento humanizado a vítimas de violência nas unidades de saúde e nos programas de saúde da família permite o enfrentamento precoce aos casos, evitando muitas vezes feminicídio ou violências mais severas. Esses são apenas alguns exemplos cuja utilização pelos gestores locais, de forma coordenada e estrategicamente orientada para os territórios mais expostos à violência ou aos públicos mais vulneráveis a ela podem ter um efeito tão ou mais relevante do que a emulação, muitas vezes precária, da atuação das forças policiais estaduais. Fonte: NexoJornal
Bruno Lazzarotti Diniz Costa é pesquisador e professor da Fundação João Pinheiro, onde é docente permanente do mestrado em Administração Pública. É membro do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável).
Íris Gomes dos Santos é docente na Unilab – Campus Malês (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira), professora permanente do Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Universidade Federal da Bahia e membra do QualiGov.
Lígia Mori Madeira é docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora permanente dos PPGs em Políticas Públicas e mestrado profissional em Segurança Cidadã e membra do QualiGov.
Esse artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024.
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